terça-feira, 30 de abril de 2019

VINGANÇA E SUBLIMAÇÃO NO CONTO "A FLAUTA DO TATU"

Recentemente gravamos uma história adaptada do livro "A flauta do tatu" (de Angela Lago).  

Na minha forma de contar, acrescentei a criação de uma melodia e alguns elementos para aumentar o tom de humor, porém, sem que fosse alterada a estrutura principal (o esqueleto) do conto. 

O resultado você pode conferir aqui: 



Mas, voltando a falar do "esqueleto", logo que li a versão da Angela Lago, lembrei-me de um conto (um mito indígena) que havia lido há alguns anos na obra "Com gosto de terra natal" (de Maria Inez do Espírito Santo).

Em seu livro, Maria Inez apresenta "um novo olhar sobre mitos indígenas brasileiros". Dentre outros contos, lá está "O jabuti e a anta". Apesar de não apresentar os mesmos animais, a história possui a mesma essência: o opressor e o oprimido, o animal grande e mais forte contra o animal menor e mais fraco (porém mais perspicaz). 

Os enredos possuem diferenças de como e porquê a briga começa, entretanto, os elementos essenciais, comportamentos e emoções estão lá, em ambos: 
  • O desejo de vingança que aliena e/ou paralisa; 
  • a competição e os impulsos reativos;
  • a inteligência versus a força bruta;
  • a transformação da experiência negativa em criação artística
As duas histórias terminam com o animal menor retornando muito tempo depois e encontrando a carcaça descarnada do inimigo. E é dessa ossamenta que se faz a flauta e de onde se tira a melodia que encerra a fábula! 

Esse mesmo elemento - o esqueleto - é um conceito ligado ao de arcabouço, e que segundo Maria Inez, "pode inspirar concepções artísticas que permitam o encontro de várias linguagens". A autora propõe, por exemplo, que professores estimulem seus alunos a produzirem uma instalação (que agregue objetos, cores, formas, sonoridades) para recontar essa história, para trabalhar paralelos com situações vividas por eles, pela comunidade.  

Nesse tipo de obra, tão contemporânea, pode-se exercitar a construção/desconstrução/reconstrução... tanto do que é físico (o animal "vira" osso, o osso vira outra coisa, um instrumento musical) quanto do que é sentimento (o sofrimento da perseguição e de tanto tempo de afastamento do lar transformado em expressão artística, em música). 

No entanto, além desse exercício onde a Arte sublima e restaura, precisamos refletir sobre outros pontos. Maria Inez lembra "que cada ser humano traz, em si, múltiplas potencialidades" e devemos "reconhecer que, na vida, ora podemos ser como a Anta (ou onça), ora podemos ser como o Jabuti (ou tatu)". 

Pois é... uma verdade que queremos varrer para debaixo do tapete: que nem sempre somos a vítima! Que nós também podemos oprimir, discriminar, agir com descaso. Mesmo que não tenhamos uma intencionalidade consciente disso. 

Outra colocação da autora é muito relevante e deve ser discutida junto aos nossos alunos:


"As consequências negativas que advêm de ações violentas

(...) podem ocasionar inúmeras outras ocorrências prejudiciais imprevisíveis".



Infelizmente, isso soa tão próximo de nossa seara, no nosso cotidiano escolar... 

Ora, mas voltemos às alternativas! Voltemos nosso olhar e nosso empenho para a recriação, o uso da Arte e da Filosofia (sim, filosofar com nossas crianças  e jovens) para transformarmos algo. Aquilo que é pesado e forçado, em algo mais leve e auspicioso. Sublimar... 

Dicas pedagógicas: 

  • eu recomendo a leitura desta obra: "Com gosto de terra natal" , de Maria Inez do Espírito Santo (Ao Livro Técnico. Rio de Janeiro, 2012). O livro traz outros mitos indígenas acompanhados de muitas reflexões e sugestões especialmente direcionadas a professores. 
  • E recomendo que usem a leitura e o vídeo da história "A flauta do Tatu" e proponham dramatizações (incluindo formular finais diferentes para os personagens)
  •  E ainda, que tal construir instrumentos sonoros e percussivos utilizando sucatas? (No vídeo eu uso um reco-reco feito com uma garrafa plástica e uma colher de pau para simular o tatu cavando, cavando).  
Bom, eu aguardo seu comentário, contribuição, seu relato de experiência. Compartilhe conosco se esta história contribuiu com seu trabalho. Até mais!

2 comentários:

  1. Já já histórias vianjantes precisará de uma assessoria de imprensa! Rsrsr PRESENTE! Parabéns! O projeto é 'massa'!

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  2. Que riqueza... Amei a partilha e indicações... muito obrigada

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